segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A Sociologia e a busca da Verdade: a sociologia como ciência

A SOCIOLOGIA E A BUSCA DA VERDADE
A sociologia como ciência.


Por tratar das interações humanas, a sociologia traz um fato novo para o campo científico, que é o papel do observador, nesse caso, o cientista social. A sociologia, diferentemente das outras ciências, tem como parte integrante do seu objeto de estudo o próprio observador. Pois este, ao mesmo tempo em que observa o fenômeno, sofre influências e influencia o seu objeto de estudo. Essa realidade traz para as ciências sociais a discussão a objetividade do trabalho científico.

O cientista que estuda um fenômeno não pode interferir no objeto de estudo, caso contrário seus resultados não serão válidos, estarão viciados pela sua intervenção. Ocorre que no estudo dos fenômenos sociais há muito maior dificuldade de se permanecer neutro, pois sendo o cientista social um ser humano, influencia e é influenciado.

O que caracteriza as ciências sociais, em contraste com as ciências físicas, é a circunstância em que nelas o assunto ou objeto de que tratam se confunde com o próprio ser humano. O ser humano é, ao mesmo tempo, ator e espectador. Os fatos sociais que são seu objeto de estudo foram originados por ação humana e ao mesmo tempo é ele - como ser humano - quem observa e tece considerações sobre o fato, para constituir com ele o conhecimento e a ciência. Em outras palavras, o homem tem um duplo papel nas ciências sociais - o que não ocorre nas ciências físicas. "O homem é simultaneamente objeto e sujeito do conhecimento: objeto, como participante dos fatos que são 'objeto' de conhecimento ou das ciências sociais; sujeito do conhecimento como indivíduo observador e analista daqueles fatos" (PRADO, 1957, p.13).

Portanto, a sociologia como disciplina científica deve possuir seus próprios meios de investigação - considerando esta dualidade do observador -, bem como atingir a maior objetividade possível em todos os casos estudados.

Dentro de certos limites são utilizados medidas quantitativas na interpretação de fenômenos sociais. Dois outros métodos básicos - a observação e a comparação - são largamente utilizados, tanto pela sociologia como por outras ciências.

Não é só a utilização de um grupo particular de técnicas e pesquisas que determina se a sociologia é ou não ciência. A observação objetiva seguida de interpretação cuidadosa dos fatos observados é o processo científico fundamental de qualquer ciência; mantendo esse tipo de abordagem dos fenômenos sociais, a sociologia tornar-se-á, cada vez mais respeitada como importante ramo do saber científico.

Quando afirmamos que a observação científica deve ser 'objetiva', significa que, tanto quanto seja humanamente possível, ela não deve ser afetada pela própria crença, por emoções, hábitos, preferências, desejo ou valores do observador. Em outras palavras: 'objetividade significa ver e aceitar os fatos como são, e não como desejaríamos que fossem'. Para o sociólogo, esse é um dos procedimentos mais difíceis, pois é muito complicado assumir uma posição de neutralidade perante problemas sociais que estão sendo estudados. Não podemos confundir, no entanto, neutralidade com objetividade.

A objetividade é absolutamente necessária ao se estudarem os fenômenos sociais, entendê-los do modo como são. Ao obtermos o conhecimento acerca de nosso objeto de estudo é que se coloca a questão da ética científica -  e muitos sociólogos não aceitam.

Muitos cientistas sociais consideram que essa neutralidade ética da ciência nada mais é do que um modo de controle externo da ciência e da tecnologia científica pelos que detém o poder político.

Derivam dessa característica da sociologia -  particularmente daqueles que não aceitam essa neutralidade ética - muitos quadros para movimentos reformistas ou revolucionários em todo o mundo, e também o fato de serem os sociólogos uma das categorias mais perseguidas em regimes ditatoriais ou em qualquer estrutura institucional autoritária.

Essa característica da pesquisa sociológica e da condição do sociólogo foi muito bem expressa por Florestan Fernandes (1976, p. 179), que afirmou que:

"O sociólogo não possui um laboratório. Por isso, ele enfrenta muitas dificuldades, que não existem (ou aparecem com intensidade desprezível) nas ciências nas quais é possível pôr em prática a investigação experimental. A maior parte dessas dificuldades surge de um fato simples: o sociólogo está sujeito às normas e aos critérios experimentais do saber científico, mas ele não dispõe dos meios e das facilidades experimentais de descoberta e de verificação da verdade. Esse 'limite abstrato' é, com frequência negligenciado pelos que estudam a formação e a evolução da sociologia como ciência. No entanto, ele deveria estar sempre presente, dos levantamentos iniciais às interpretações finais: é que ele explica os 'porquês' doso avanços ou recuos dos sociólogos na investigação da realidade. O ponto de vista científico enlaça o sociólogo a uma verdadeira condição humana, da qual ele não pode escapar sem 'trair' as normas e os critérios científicos de observação e de interpretação da vida em sociedade. Quando ele ignora essa condição humana -  ou se subtrai a ela por omissão - sua contribuição sociológica poderá ser o que se quiser, menos uma sociologia científica.

Para dizer tudo com poucas palavras: as normas e os critérios científico-experimentais de verdade e de verificação da verdade põe o sociólogo em relação de tensão com a sociedade (...)".

Os sociólogos, pelo fato de terem como seu objeto de estudo a sociedade e de utilizarem os métodos científicos que darão objetividade à sua pesquisa, encontram no estudo da realidade concreta dos fatos sociais que influenciarão sua conduta, modificando consequentemente seus valores e interferindo na sua capacidade de análise. Assim, a neutralidade em relação ao objeto de estudo é uma impossibilidade real para o sociólogo, pois ao mesmo tempo que estuda determinado fato social, na realidade faz parte desse fato social, é observador e ao mesmo tempo participante do fato observado. Levar a neutralidade às últimas consequências é ignorar esta sua condição humana e, portanto, render-se às forças sociais e políticas que poderão fazer uso de sua pesquisa em detrimento de outros seres humanos. 

Florestan Fernandes (1976, p. 129) se expressou com muita clareza sobre o significado da neutralidade para o cientista social:

"A suposta neutralidade ética constitui uma capitulação às forças irracionais, que combatem à ciência e a tecnologia científica e as submetem ao seu irracionalismo. O primeiro ato de autonomia intelectual do sociólogo desenha-se nesse plano de autoafirmação como e enquanto cientista: a ciência o compromete eticamente tanto com os seus critérios de verdade (e de verificação da verdade), quanto com as transformações do mundo que possam resultar das aplicações de suas descobertas".

Os dois intelectuais brasileiros - Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes - identificaram a dupla condição do cientista social, enquanto ser humano e como cientista, o que implica duplo compromisso, com a humanidade e com a ética científica. Essa dupla condição, embora apareça em outras ciências, é muito mais presente nas ciências humanas, pois o objeto de estudo é o social, o homem e suas interações, o que pressupõe inclusão do próprio pesquisador como objeto de análise, como parte integrante do objeto que se está estudando. Para obter resultados cientificamente válidos, o cientista social não pode ignorar essa condição e ao mesmo tempo não pode permitir que o seu julgamento de valor, seus hábitos e seus costumes interfiram nas suas conclusões, impedindo-o de obter dados aceitáveis do seu objeto de pesquisa.

Quando foi perguntado ao cientista social e antropólogo Clifford Geertz "até que ponto a sociedade a que pertence e na qual se faz o trabalho de campo influenciam no trabalho dos antropólogos?", sua resposta indicou, claramente, a necessidade de busca da objetividade. Afirmou que:

"Não há dúvida quanto a isso, todos nós somos, como se diz hoje, 'observadores situados'. A única coisa que se pode fazer a respeito é ter a maior consciência possível desse fato e pensar nisso, não assumir que o modo como vemos as coisas é o modo como as coisas simplesmente são, mas entender. Sim, obviamente, um antropólogo norte-americano ou brasileiro ou um francês verão as coisas de uma maneira algo diferente, e uma das razões é o contexto cultural do qual eles vêm, do qual extraem suas percepções e seus princípios. Não há nada de errado nisso, é inevitável, o erro ocorre quando as pessoas não se conscientizam disso e simplesmente assumem que qualquer sensação que têm não precisa ser confrontada com a realidade. Claro, não há nada semelhante a um observador totalmente neutro e abstrato. Isso não é tão fatal quanto pode soar, só significa que é preciso pensar sobre de onde as pessoas vêm, onde elas estão trabalhando etc...". 

Não podemos esquecer que um dos cuidados que o cientista social deve ter para que proceda com maior objetividade possível na análise de dados sociais é a utilização metódica de técnicas de pesquisa social, que são os instrumentos metodológicos de que dispõe para a abordagem dos fatos sociais.

Extraído na íntegra de:
DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. 1.ed. São Paulo, Pearson, 2005, p. 40-42).

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