quarta-feira, 16 de março de 2016

Consciência crítica e tipos de conhecimento

A palavra consciência, de acordo com o dicionário Michaelis é a capacidade que o homem tem de conhecer valores e mandamentos morais e aplicá-los nas diferentes situações. Mas, afinal o que é consciência? e quais são os tipos de conhecimento que o ser humano pode desenvolver?

Desde que passamos a questionarmo-nos acerca do mundo e do que presenciamos nele, a ciência, em especial a filosofia, estudam e tentam compreender a ação da consciência sobre nosso corpo e mente. Esse esforço reuniu as ciências, como psicologia, antropologia, sociologia e neuropsicologia, para uma sistematização teórica do tema. 

A filosofia, ao investigar a realidade através da construção de conhecimento mais autêntico, faz isso por uma dimensão que podemos chamar de consciência. Por esta consciência nós formamos nossa visão de mundo, sociedade e de nós mesmos. A consciência abrange a dimensão da mente humana (individual) mas não só do individuo isolado, mas também do social (consciência coletiva).

Comumente somos levados a relacionar a consciência apenas como a capacidade de compreender de maneira racional uma dada realidade. Porém, com o desenvolvimento do homem ao longo do tempo, foi-se distinguindo diferentes formas de consciência que predominaram durante a história da humanidade. De maneira geral, podemos identificar três tipos de consciência que se estabeleceram na relação do homem com o mundo: a mítica, a religiosa e a racional (TOMELIN; SIEGEL, 2013). 

A consciência crítica, que também pode ser uma atitude crítica tem um olhar negativo e outro positivo. Negativo quando se afirma contra ou se opõe ao preconceito e aos valores engessados da sociedade. Positivo quando questiona e interroga o motivo das coisas (CHAUI, 1997, p. 12)

Consciência mítica, religiosa e racional

A palavra racional vem do latim ratio e do grego logos e seu significado se estende aos verbos calcular, separar, contar, medir. A expressão pressupõe que conhecimento se orienta por um método e uma ordem (TOMELIN; SIEGEL, 2013). Essa concepção em grande parte foi construída pela filosofia. Mas, foi a ciência que mais se apropriou da condição de razão e deu sua assinatura ao fato com o termo racionalidade científica.

A racionalidade científica pondera conceitos, como método experimental, universalidade do conhecimento, formulação de teorias, enquanto a racionalidade filosófica está voltada para questões humanas que não podem ser verificadas por leis universais ou experimentais (CHAUI, 1997).

A consciência religiosa afirma-se na construção argumentativa partindo da revelação divina. A doutrina religiosa é considerada infalível e indiscutível, parte de uma aceitação convicta de que suas verdades são absolutas. Este tipo de consciência dispensa os indivíduos da atitude reflexiva e transformadora diante do mundo, sendo uma visão estável e conformista da realidade. (ARANHA; MARTINS, 1999).

A consciência mítica, se assemelha à religiosa, tem na mitologia a base para explicar as condições naturais e sociais de nossa realidade. O mito pode oferecer explicações sobre a origem do universo e da Terra, mas elas são baseadas na crença e dificilmente são verificáveis pelas evidências. É baseada na tradição oral do compartilhamento do conhecimento.

Consciência crítica e educação

Ao tomar consciência do mundo, cada pessoa se responsabiliza por seus atos e por isso deve respeitar todas as dimensões que demandam dos indivíduos de uma sociedade.

Ao analisarmos o mundo por uma perspectiva crítica nós identificamos as contradições na sociedade, isso nos impõe uma situação difícil, mas inevitável ao pensador crítico. Restam dois caminhos: optar pela humanização ou negá-la.

Para o filósofo brasileiro Paulo Freire é fundamental que a educação não fique indiferente diante das mazelas da humanidade. A educação deve demonstrar que os problemas não surgiram por mágica e, sim, por condições históricas elaboradas por pessoas reais. E se são reais, podem ser responsabilizadas por isso. A própria educação é vítima desse tipo de desarranjo (KEIM, 2011; FREIRE, 2002).

O fato desse desarranjo educacional é o fato de que como Marx afirma: “Os homens fazem a História, mas não sabem que a fazem”. O que nos põe diante da seguinte situação, segundo a filósofa Marilena Chauí:

Podemos chamar isso de alienação social, sendo que essa questão pauta-se no desconhecimento das condições histórico-sociais concretas em que vivemos, produzidas pela ação humana também sob o peso de outras condições históricas anteriormente determinadas. Há uma dupla alienação: por um lado, os homens não se reconhecem como agentes da vida social com suas instituições, mas, por outro lado e ao mesmo tempo, julgam-se indivíduos livres, capazes de mudar suas vidas individuais como e quando quiserem, apesar das instituições sociais e das condições históricas. No primeiro caso, não percebem que instituem a sociedade; no segundo caso, ignoram que a sociedade instituída determina seus pensamentos e ações (CHAUI, 1997, p. 72).



Voltando a Freire (1996), a educação tem importância na formação da consciência crítica. É por meio de ambas que as pessoas construirão sua criticidade, fato que possibilita aos indivíduos serem autores de sua própria história e não apenas espectadores de sua vida.

Tipos de conhecimento

Existem diferentes formas ou tipos de conhecer a realidade física ou social de nosso mundo, entre eles: mitológico, senso comum, científico, filosófico, artístico e religioso. 

O conhecimento mítico ou religioso são constituídos de saberes sobre a existência humana, como a morte, o espírito, o sentido de existir, a fé e as questões espirituais. Denotando um aspecto de magia que não depende de explicações racionais, resumindo-se em verdades absolutas e dogmáticas.

Versando entre as primeiras compreensões do mundo, pelo indivíduo, é chamado de senso comum, o qual é adquirido por herança do grupo social em que estamos inseridos e se forma pelas vivências do cotidiano. É originário da tradição oral e dos saberes espontâneos, é um conhecimento superficial e fragmentado. 

Chegamos então ao conhecimento científico, que por conjunção de fatores históricos que confirmaram sua eficácia ele é considerado determinante e superior sobre outras formas de conhecimento. Seu principal objetivo é a explicação dos fenômenos físicos ou sociais mediante um método que seja racional, verificável e experimental. O principal anseio que mantém a condição humana ao conhecimento científico é sua aplicabilidade e funcionalidade facilmente perceptível e a coerência que o mesmo apresenta, além de nos proporcionar um controle da realidade. 

No entanto, o saber científico não pode desconectar suas ações e consequências da dimensão da ética, o ethos da ciência; e desconsiderar que não é possível alcançar uma verdade absoluta. Num processo contínuo de auto-correção. 

O conhecimento artístico não tem a pretensão de ser objetivo, prático nem tampouco exato. O anseio do mesmo é a interpretação e ampliação da sensibilidade diante da complexidade da realidade da estética. Tendo sua maior base na subjetividade do indivíduo e de quem interpreta a obra ou a realidade. 

Os saberes podem somas diversidades, assim a realidade terá em seu horizonte a ampliação da ética, da humanização e da valorização da vida. Entretanto, temos que ter padrões claros de absorção de conhecimento, dentre os apresentados o conhecimento científico apresenta-se como o mais apto e legitimado a ser o norteador sobre o entendimento da natureza e da vida social. 

Conhecimento, tecnologia e educação

A tecnologia não tem uma origem muito clara. Desde a pré-história, o ser humano construiu ferramentas para enfrentar os desafios da natureza e garantir a sobrevivência. Entretanto, foi após a Revolução Industrial que o conhecimento científico passou a se aliar à produção de artefatos e sistemas tecnológicos, o que transformou, como nunca visto antes, a relação entre os indivíduos e destes com o mundo. 

Após isso, claramente observamos que a mesma tecnologia que pode ser utilizada para o bem comum da humanidade, pode ser utilizada para a destruição da mesma, como as tecnologias utilizadas para a guerra. Após as bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagazaki, aumentou-se a preocupação com o éthos da ciência. (ver MERTON, 1937).

O presente e futuro oferecem-nos sérios motivos de preocupação: poluição, crise ambiental e das fontes de energia, escassez de água potável, doenças, desigualdade socioeconômicas, terrorismos e totalitarismos. São consequências de uma força gananciosa por progresso ilimitado e acúmulo de riquezas. Se por um lado a sociedade do consumo proporciona facilidades domésticas, revoluções médicas e estéticas, um bem estar nunca visto na história, por outro, qual é o preço a ser pago por este modelo?

Esta perspectiva apresenta-nos um questionamento sobre os problemas em que a forma de produzir tecnologia podem ser proporcionar para o nosso lar planetário e a nós mesmos. O que nos indica uma crescente preocupação e revisão da ética da ciência. 

É observável que o avanço do desenvolvimento técnico e tecnológico não confirmou o desenvolvimento de uma sociedade mais humana e justa. Para os otimistas, a humanidade se direciona para o bem-estar social cujo trabalho, através das máquinas, não será mais degradante. Para os pessimistas, a sociedade será vitimada pelo excesso de controle, pela perda da privacidade e pelo alto custo social dos bens tecnológicos de consumo (TOMELIN; SIEGEL, 2013; CUPANI, 2011; DUPAS, 2006).

A crítica aqui apresentada não é quanto a legitimidade da ciência e seu campo conceitual, teórico e metodológico, mas sim à utilização e formas de uso da mesma. Como Freire nos lembra: ou optamos pela humanização ou a negamos. Também podemos ver isso nas abordagens de Carl Sagan no Pálido Ponto Azul

Referências: 

ARANHA, M. L de A; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1999.
CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1997.
CUPANI, A. A filosofia da tecnologia: um convite. Florianópolis: UFSC, 2011.
DUPAS, G. O mito do progresso: ou progresso como ideologia. São Paulo: Unesp, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
KEIM, E, J. Paulo Freire e a complexidade na educação. Dialogia - Revista do Departamento de Educação - Centro Universitário Nove de Julho, UNINOVE, v. 0. p, 32-40, 2001.
MERTON, Robert K. O éthos da ciência .2016. Transcrito por Douglas Ferrari Disponível em: http://www.grupoastrofisicaconcordia.org/ethos-da-ciencia/. Acesso em: 15/03/2016
MORELL, J. C. Pensamentos Pedagógicos e Sistemas Educacionais. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014.
TOMELIN, J. F.; SIEGEL, N. Filosofia geral e da educação. Caderno de estudos. Indaial: Uniasselvi, 2013.


segunda-feira, 14 de março de 2016

Filosofia na Educação

A filosofia sempre esteve relacionada ao conceito de reflexão, conhecimento e autoconhecimento. A palavra filosofia, de origem grega significa amizade pela sabedoria. Embora para muitos ela esteja confinada ao campo estritamente teórico, o desafio consiste em relacionar e pontuar a teoria com a prática, ou seja, a práxis teórica. Neste texto vou abordar de maneira resumida a relação que a filosofia tem com a educação, alguns dos principais filósofos que deram base ao início da educação bem como correntes de pensamentos vigentes, numa abordagem humanizada da educação. 

É nos apresentado que a filosofia envolve conceitos como: sabedoria, atitude, conhecimento, postura crítica, visão de mundo, estado de atenção e busca pela verdade das coisas. E a ideia de "pensamento filosófico" está profundamente interligada com a ideia de "atitude filosófica". A postura de aceitar a realidade como algo natural e costumeiro, significa opor-se à proposta da atitude filosófica. Neste ponto não significa negar a realidade, mas apenas não aceitar a proposta: é assim porque é assim, a atitude filosófica significa buscar entender o porquê das coisas serem como são e, se necessário criticá-las.
A relação da amizade com a filosofia significa estar atento e em constante reflexão sobre o mundo a nossa volta, a qual nos instiga a sair do estado de acomodação de nosso estado crítico, ou seja, nos impõe à sermos críticos. O filósofo Sócrates corrobora dizendo:


Uma vida sem busca não é digna de ser vivida" (Sócrates apud REALE; ANTISERI, 2002)

Uma vez esta perspectiva já consolidada na filosofia, esta frase pode ser completada com dois questionamentos: "Qual o sentido de nossa busca?" ou "O que realmente devemos buscar?". Assim a proposta da filosofia é ampliar nossa consciência, fazer-nos questionar e refletir sobre nossa realidade sendo contrário a:

  • Aceitação inconsciente da rotina do mundo a nossa volta;
  • Permanência do discurso conformista da realidade;
  • Naturalização da história e dos processos sociais;
  • Estagnação do desenvolvimento cultural;
  • Ausência de consciência crítica.
Nesse sentido a filosofia distingue um papel único, nos fazendo questionar e refletir sobre o que talvez jamais faríamos porque tendemos a agir diante do mundo como se tudo fosse programado. Não notamos que nossa qualidade humana de transformação e evolução é substituída pela continuidade de programa. E isso significa perda de liberdade. (TOMELIN; SIEGEL, 2013).

Então, surge um dilema sério sobre nossa existência. Nossa essência e condição de liberdade são diminuídas quanto mais se estabelecem padrões para tudo: consumo, lazer, trabalho, educação, características culturais. Neste contexto, é diminuímos a condição de seres históricos para sermos máquinas programadas e conformadas. Assim, o tema da consciência e da visão de mundo se tornaram centrais no pensamento filosófico.


O surgimento da filosofia ocidental

Para melhor compreendermos a relação da filosofia na educação devemos localizar-mo-nos na origem da própria na cultura ocidental. A filosofia tem seu início na Grécia, no século VI a.C. Quando alguns cidadãos propuseram uma alternativa a explicação do mundo através do conhecimento mitológico. Tal atitude inaugurou o pensamento racional.

O conhecimento filosófico se apresenta na passagem gradativa das crenças mitológicas. Alguns pensadores utilizam o termo "passagem do mito para a razão" para descrever isso. Porém, não se trata aqui de uma passagem clara e objetiva, pois a mitologia não desapareceu por completo, mas influencia até as culturas contemporâneas. Esse momento de ascensão do pensamento racional não foi exclusivo da Grécia, ocorreu em outras culturas como a China e Índia, em momentos e condições ainda diferenciados. 

O berço cultural da Grécia, por volta de 550 a.C., foi onde nasceu a filosofia, possivelmente a ideia de ciência, em meio a divisão por diversas cidades-estado, ponto de partida para a formação do pensamento ocidental. Os primeiros passos em direção ao pensamento filosófico, por consideração, ocorreram numa região chamada Jônia, no século VI a.C. Com um grupo de pensadores, mais tarde chamados "pré-socráticos", seu objetivo primordial era encontrar um elemento básico na natureza que constituísse todas as coisas. (TOMELIN; SIEGEL, 2013 / REALE; ANTISERI, 2002).

Até certo ponto, essa busca foi o embrião para o surgimento das disciplinas da física e da química, em que a especulação central  tratava da origem da natureza e da realidade física. Personagens como Pitágoras, Heráclito, Parmênides, Tales entre outros destacam-se neste período. Assim, a explicação mitológica da natureza física aos poucos perdeu espaço para o avanço das teorias pré-socráticas e logo em seguida para: Sócrates, Platão, Aristóteles e um série de escolas filosóficas. 

Tratar de conhecimento filosófico significa desenvolver consciência e emancipação da condição humana. É tratar de liberdade e responsabilidade, pois o objetivo do conhecimento também passa pela busca de verdades.


A filosofia e o educador


A reflexão significa a ideia de voltar atrás. É um repensar, e, se toda reflexão é pensamento, nem todo pensamento é reflexão. O educador deve estar em constante processo de reflexão, e fazer-se uso da filosofia. No entanto, a filosofia não é qualquer tipo de reflexão, é preciso que ela se enquadre em três requisitos: a radicalidade, o rigor, e o conjunto (SAVIANI, 2007).

Radical, no seu sentido bem próprio e profundo como quer a filosofia, quer dizer chegar até as raízes do que se pretende estudar, Rigoroso é ter rigor sistemático, ter métodos e clareza do que se faz e Conjunto é a perspectiva de estudo que deve sempre levar em conta o conjunto e a complexidade da realidade, nada sendo isolado de seu contexto.A tarefa de filosofia da educação é oferecer aos educadores um método de reflexão que lhes permita encarar os problemas educacionais, penetrando na sua complexidade e encaminhando a soluções. O educador deve estar aberto e efetuar o pensamento e a prática filosófica. 

Sócrates na educação, diálogo e autoconhecimento

Sócrates foi um questionador em seu tempo, tinha uma posição independente sobre a crítica social e utilizou um método para a compreensão do bem e do mal, com base no questionamento da realidade (TOMELIN; SIEGEL, 2013).

De maneira resumida, a proposta de Sócrates apresentava-se com os seguintes aspectos: 

  • Busca assumida pela sabedoria e virtude;
  • Promoção de um saber mais autêntico sobre a realidade;
  • Incentivo à ampliação do autoconhecimento;
  • Evitar qualquer julgamento sem conhecimento profundo de causa;
  • Desconfiar das aparências para verificação das verdades;
  • Reconhecer as limitações do discernimento humano;
  • Promover o desenvolvimento da capacidade intelectual dos indivíduos;
  • Ampliação do método racional para a compreensão da realidade.
As principais concepções da educação atual, indiscutivelmente, reproduzem as ideias que foram sistematizadas pela filosofia socrática. A figura de Sócrates foi divisora na história da filosofia. Por isso, os filósofos anteriores a seu tempo, cuja preocupação era com a natureza física eram conhecidos como pré-socráticos. A partir dele, a filosofia alterou-se para um novo centro de atenções: o desenvolvimento do ser humano, a capacidade intelectual do conhecimento, a política e a ética.

Sócrates é conhecido por seu método prático baseado no diálogo, na dialética que tem como objetivo desenvolver um conhecimento seguro sobre as coisas, método que se dá a partir de dois pontos principais: a ironia e a maiêutica (TOMELIN; SIEGEL, 2013). 

Assim, a ironia é o momento inicial do método socrático e significa reconhecer a própria ignorância. A palavra "ironia", na versão grega, denota a atitude de interrogação e questionamento. E maiêutica significa que somente quando o indivíduo percebe suas limitações do seu discernimento é que está preparado para reconstruir e desenvolver sua capacidade intelectual (MORREL, 2014).

Platão e o mundo das ideias

Platão é um dos mais citados filósofos da história da filosofia ocidental, ele foi o fundador da Academia de Atenas. Segundo Marcondes (2010), Platão foi o primeiro a constituir a filosofia como uma formulação e sistematização clássica. 

Seu trabalho mais clássico, extraído de seu livro A República, o mito da caverna (ou alegoria da caverna), gera um intenso debate sobre a questão do sentido da filosofia na educação. Nesse sentido Carneiro faz uma reflexão sobre:

Quando aplicada em sala de aula, tal alegoria resulta em boas reflexões. A tendência é a elaboração de reflexões aplicadas a diversas situações do cotidiano, em que o mundo sensível (a caverna) é comparado às situações como o uso de drogas, manipulação dos meios de comunicação e do sistema capitalista, desrespeito aos direitos humanos, à política etc. Ao materializar e contextualizar o entendimento desse mito é possível debater sobre o resgate de valores como família, amizade, direitos humanos, solidariedade e honestidade, que podem aparecer como reflexões do mundo ideal. (CARNEIRO, 2010).

Resumidamente, o mito da caverna para a dimensão pessoal, deve incitar o permantente desenvolvimento do senso crítico e a superação da  alienação humana


Paulo Freire: a educação como processo de humanização

Freire é brasileiro, filósofo da educação contemporâneo e é reconhecido internacionalmente na área. Seus trabalhos mais importantes são Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Autonomia, obras estas publicadas em mais de 20 idiomas. Os conceitos pertinentes sobre Freire são: humanização, autonomia, consciência de sujeito e de mundo, aprendizagem e função da escola. (MORELL, 2014).

A concepção de Freire sobre o processo educativo e a metodologia de aprendizagem, partem necessariamente do aluno e o contexto social em que está imerso. Desse modo, a aprendizagem acolherá a complexidade da existência de quem está ensinando e aprendendo, jamais isolando o indivíduo como se fosse apenas uma ferramenta ou objeto isolado de sua realidade. (KEIM, 2001; FREIRE; 1996).

Conceito de humanização

A formação da sociedade (relação que os homens estabelecem entre si) acontece num processo. É uma dinâmica em que se estabelecem confrontos de interesses sociais e econômicos, que, em grande parte, toca na ganância pela posse de bens materiais ou pela luta da sobrevivência (KEIM, 2001).

É perante a esse exmplo que a pessoa se encontra diante de dois caminhos: optar pela humanização ou negá-la. A escolha de um dos caminhos, geralmente, é estabelecida por condições históricas e sociais que fazem parte de cada indivíduo. Este indivíduo que é um ser em construção, nunca está acabado e sua construção se dá a partir de suas condições sociais (KEIM, 2001).

A desumanização pode ser definida pela negação de diversas culturas que vão construindo o cotidiano da pessoa. É a negação da complexidade e a diversidade que formam continuamente cada indivíduo. A humanidade é desconfigurada quando se impõe um modelo único de cultura. Em nosso tempo, a desumanização acontece quando o modo de vida é baseado na competitividade, na exploração do capital e na ideologia de mercado. Quando as pessoas ficam submetidas a esses valores, a relação entre as culturas acaba por criar e reproduzir injustiças, exploração e violência (FREIRE, 2002).

Freire nos explica que: na dinâmica entre oprimido e opressor, ambos têm sua humanidade roubada, fato que é determinante e dificulta a ruptura para um sistema social alternativo. A humanização é uma busca permanente do ser humano, não é um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar outro objetivo (FREIRE, 2002).

Freire e educação como proposta de humanização

Uma ideia inicial é que a educação pode reforçar os mecanismos sociais que viabilizam a desumanização e a exclusão social. Essa argumentação de Freire, além de contradizer o discurso oficial e conservador da época, apresenta a educação não mais como um reflexo da sociedade, mas como uma possibilidade de alteração social. Logo, para Freire, o ato educativo é necessariamente um ato político (KEIM, 2001).

Outra ideia de Freire é a "educação bancária". O termo faz uma crítica à postura das escolas como reprodutoras da ideologia de mercado. Freire identifica algumas características comuns na relação entre educação e mercado. O conteúdo é compreendido como "produto", os alunos são vistos como "clientes", a vivência e o cotidiano em sala de aula são vistos como "produção" (KEIM, 2001). 

A proposta de Freire vê a educação como um processo que pretende tornar as pessoas capazes de interpretar a realidade, de forma a perceber as relações de opressão e exclusão. Para Freire a educação tem que ser sistêmica, ser percebida como um jogo de poder que é social, sem interações, envolvendo a ética e os costumes. Este jogo de poder não deve excluir, mas deve acolher os seguintes elementos: a ética, as emoções, os sentimentos, a política em favor da vida, a solidariedade, a autonomia, e os conhecimentos contextualizados. O que também significa diminuir a competição e afastar o discurso conformista da realidade (KEIM, 2001).


Para concluir 

Percebemos a importância da abordagem da filosofia na educação, no sentido que deve haver reflexão constante sobre os objetivos e uma abordagem dialética, porém, contextualizada, a fim de proporcionar na práxis a emancipação do ser humano e permitir que o mesmo interaja com a sociedade de modo crítico, reflexivo e com atitude filosófica.


Referências:

CARNEIRO, P. F. B. Mito da caverna: uma reflexão atual. Revista Filosofia. Ed. 23, 2010. Disponível em: <http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/23/mito-da-caverna-uma-reflexao-atual-178922-1.asp> Acesso em: 14 mar. 2013.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
KEIM, E, J. Paulo Freire e a complexidade na educação. Dialogia - Revista do Departamento de Educação - Centro Universitário Nove de Julho, UNINOVE, v. 0. p, 32-40, 2001.
MORELL, J. C. Pensamentos Pedagógicos e Sistemas Educacionais. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014.
REALE, G. ANTISERI, D. História da filosofia: Antiga e Idade Média. v. 1. São Paulo: Paulus, 2002.
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 17. ed. Campinas: Autores Associados, 2007. (Coleção Educação Contemporânea).
TOMELIN, J. F.; SIEGEL, N. Filosofia geral e da educação. Caderno de estudos. Indaial: Uniasselvi, 2013.

Nota: Esta publicação foi desenvolvida baseado no livro de Pensamentos Pedagógicos e Sistemas Educacionais de Morell, citado nas referências e também contém algumas adaptações.

sábado, 5 de março de 2016

Educação e Sociedade

Neste, constará algumas reflexões sobre a relação da sociedade com a educação, que tive há alguns meses. E agora resolvi deixar registrada de forma de mais fácil acesso.

Pois bem, abordando o tema da relação da educação com sociedade percebemos que é um tema complexo e delicado, ainda mais do ponto de vista de como se define a educação e a sociedade, bem como entender sua interligação. Alguns autores vão defender que a educação é a preparação para a vida em sociedade, outros diriam que ela é uma instância da vida social, uma relação social, outros que é apenas uma preparação para o mercado de trabalho.


“A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine” (DURKHEIM)

A questão da educação em seu caráter de escola, deveria por sua essência que transpor o conhecimento científico e historicamente acumulado para a criança/adolescente. Porém, devemos compreender que a educação é um reflexo de nossa organização social atual, bem como dos interesses políticos e econômicos da mesma. Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia (apud in FONSECA) constata para nós que a educação não é neutra, politicamente/ideologicamente falando.

Neste ponto, gostaria de citar o sociólogo Ivan Illich e sua crítica sobre a educação no livro Sociedade sem Escolas, ele versa que a educação nos modelos atuais é institucionalizada e que a escola em si não é um ambiente de aprendizagem garantido, que: Educação difere de Aprendizagem e Diploma difere de Conhecimento. Então a educação em si, seria toda e qualquer instância social, não somente a educação que encontra-se na escola. 

Um paralelo, por exemplo, é aqueles que criticam os cursos à distância, por serem algo diferente do "tradicional", pois pensam que é mais fácil e/ou não apresenta aprendizado ao aluno, porém é preciso se perguntar: Quem está a estudar no EaD consegue desenvolver-se numa perspectiva de aprendizagem melhor? A resposta é: É possível, depende de muitos fatores, por isso que a educação é um dos principais debates na sociologia desde suas origens.

Porém, há vários paradigmas da estrutura da escola, temos claramente um conceito de função social escolar teoricamente definido, por várias bibliografias. No entanto, há várias formas de interpretar a escola, seja ela como um sistema político, como um cérebro, como máquina, como um ser vivo etc... isto visto no aspecto organizacional dela.

Também há a questão de diversidade cultural dentro da mesma, mas por vários fatores ainda existentes, observamos a questão do racismo, por exemplo. Ao que eu pude refletir pela minha vivência na escola considerada tradicional, há uma defasagem do que se "prega" para o que se "faz". 

Na escola, influenciada pelo sistema capitalista, há fortemente impregnada em si um muro que limita o livre pensamento, pois o sistema atual, afirma-se em sua ideologia como o coerente e todos os atingidos por ele, devem pensar de maneira a manter seu status quo. 

Acredito que se fosse possível implantar a ideia da teia educacional, de Ivan Illich. Teríamos uma forma de romper com o paradigma institucionalizado da escola no sentido de ser única forma de conhecimento crível. Paradigma que afirma que a mesma seria única legitimada e a única que garantiria a aprendizagem/educação. Mas vale lembrar que Educação difere de Aprendizagem. 

Então creio que há uma discussão forte em torno da criação de uma Teia Educacional, ou seja, a escola não como topo de uma hierarquia de Ensino, mas sim na relação com a Sociedade, Família e diversas outras interações sociais.

Referência:
FONSECA, Andre A. Toda a Educação é Política. pedagogia da autonomia, Paulo Freire. Acesso em: 05/03/2016. 


Setembro Amarelo

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