sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Buscando a verdade


A busca pela verdade ou, por um conhecimento mais polido da realidade, como preferir, deve ser aberto a questionamentos e inclusive ao ceticismo rigoroso. O ceticismo deve servir para autocritica, inclusive. Ademais, não nos convém como intelectuais, buscarmos a verdade, se apresentamos uma postura fechada em arrogância defendendo nossas crenças da verdade como se fossem dogmas. Se, assim o fizermos, estaremos cometendo os mesmos erros que tendemos a criticar.

Porém, mesmo assim, devemos ter a noção que há conhecimentos tácitos, como os da física, os quais são objetivos, e podemos defender em certo grau, diga-se de passagem, elevado. Nestes casos podemos ter a convicção de defendê-los. Max Weber, um dos mais influentes pensadores das ciências sociais, afirma que a ética do cientista é, a ética da convicção absoluta, do tudo ou nada, da ação racional voltada a valores. Mas, devemos constantemente estar abertos à crítica bem fundamentada em evidências. E como nos lembra Carl Sagan, apresente uma evidência que a ciência está errada e o cientista irá abandonar sua crença errônea da verdade e vai voltar a estudar sobre o tema, tornando assim a ciência uma metodologia de autocorreção e mais, um modo de pensar.

É comum nos dias atuais, haver uma ala das ciências humanas que quer relativizar tudo. Devemos manter o ceticismo para com esta ala, pois, há conhecimentos objetivos que em hipótese alguma devem ser relativizados e subjetivizados, as ciências exatas nos apresentam afirmações fechadas, não devemos abrir espaço para relativismos;

Neste aspecto, nós podemos tomar a teoria da gravidade por exemplo, você pode querer relativizá-la ao máximo para pode agradar suas perspectivas de mundo. Mas, a gravidade (sua teoria) é objetiva, se você estiver em qualquer lugar da superfície terrestre, a aceleração média de quaisquer corpo em sentido ao centro de massa do planeta é de 9.8m/s², aproximadamente. Isso é objetivo, sem relativismos. Mas, se você acredita que isso é incoerente, através de evidências você pode contestar, desde que as evidências sejam verificáveis. E, os cientistas devem estar abertos à investigação de contestações, conforme versado no segundo parágrafo. 

A busca pela verdade está sob uma linha tênue entre afirmações objetivas e ceticismo apurado. Vale nos lembrar que o epistemólogo da ciência Karl Popper, nos deixa claro que a ciência sofre de um principio de falseabilidade, ou seja, a ciência afirma-se sob asserções, ideias, hipóteses ou teorias que podem ser provadas falsas, mas, jamais verdadeiras. 

Há muito mais profundidade nos campos da filosofia da ciência e sociologia da ciência que podem e devem ser aprofundados com mais clareza e objetividade. Espero poder fazer isso mais aprofundadamente mais a frente e registrar estas pesquisas. Entretanto, esta é a reflexão que quis compartilhar por hora.



quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Análise da música "A Moral Provisória" do Parteum

Análise da música "A Moral Provisória" do Parteum

A música "A moral provisória", composta pelo Parteum, nos apresenta pensamentos embasados em obras filosóficas, que são facilmente verificáveis, isso é nítido no titulo da música em sua referência ao pensamento do filósofo René Descartes, o qual vai ser observado em todo o contexto da letra. Descartes foi um influente no surgimento da filosofia moderna. Nesta música — além de Descartes — observa-se algumas menções subjetivas a Nietzsche, Maquiavel, Marx, e uma bem direta a Schopenhauer. Isso me induziu a realizar esta análise mais profunda.

Antes de iniciar a reflexão, deixo o link da música pelo youtube e a letra da mesma, respectivamente. Após inicia-se a reflexão. Os números na frente da letra correlacionam-se com comentários da análise a seguir.




 A Moral Provisória

[1]Tudo que compro nesse mundo não é meu
Finjo ser ateu pra regular quem se perdeu
Na mesma busca que eu, na mesma busca do eu

[2]Na fila da escola maternal, jardim e pré
A maçã da professora que chega pra aula a pé

[3]Brincando de ser rico lembra a banco imobiliário
E quando fiz 15 eu passei a ser bancário
Já vi dinheiro grande mais ou menos e trocado
Quem você acha que banca meu raciocínio quebrado?

[4]Separe-me dos ímpios invejosos e perdidos em geral
Quem odeia no escuro, na luz enxerga mal
Discordo de Schopenhauer

[5]Escrevo pra alfaiates, sapateiro e domésticas.
Parece complicado, mas depende.

[6]Quando enfrento mentes céticas desarmo-me da lógica comum
Desmonto um a um, cada enigma
Desesperador, sublime como a dor de envelhecer --- 
O que mais posso dizer se não enfrente seus demônios?!

[7]Colecione sonhos
Respeite seus hormônios
Grite se quiser
Concorde se puder

[8]Ame mais que uma mulher
(Mantenha intacta a imagem do seu amor de verão,
Da garota da escola que você nunca teve coragem de chamar pra sair
Mesmo que hoje ela esteja no terceiro casamento e você tenha achado a esposa ideal.
Não existe razão pra essas memórias deixarem de existir.)

[9]Três capítulos depois perambulando pela sala
Num copo, a sopa rala que eu mesmo fiz

[10]Sempre quis dizer mais o que as linhas permitiam.
Metade dos que dizem me entender já se perdiam
Antes mesmo do primeiro tempo
Corta!

[11]Vire a câmera pro time adversário que reclama sem sequer sair do banco pra jogar
E quando eu prosperar vão me dizer que tudo válido na guerra
Isso não me desespera

[12]O mundo permanece como é
Inundo meu ser com quase tudo que não é real

[13]Vendaval de letras que circundam cada passo
Venda sobre os olhos de quem quer me por no laço
Boi brabo!

[14]Não trago! Não fumo!
Meu rap é outro rumo, mas comparam-me com cada perdedor...

[15]Desculpe-me "sinhô", mas acabou a brincadeira
Isso é terapia intensa pra quem vive na fogueira
(Mantenha intacta as imagens da sua primeira gravação
Do seu primeiro teclado
Do primeiro show
Dos microfone apitando...
Não existe razão para essas memórias deixarem de existir...
Não existe razão pra essas memórias deixarem de existir.)


A Análise

Como já versado, o título da música faz menção ao pensamento de Descartes, sobre a moral provisória, algo que vamos perceber durante toda a música em suas entrelinhas. Para ficar mais fácil perceber isso, vou descrever rapidamente o que é a moral provisória de Descartes. Descartes afirma que, enquanto nossos pensamentos estão em constante ebulição, a nossa vida continua. E, ela não espera que tenhamos um pensamento claro e distinto para que as coisas ocorram. A vida tem necessidades urgentes que se situam acima do discernimento imediato de cada um. A partir do entendimento que a vida continua sem que tenhamos total compreensão dos pormenores de nossos pensamentos, Descartes afirma que é necessário uma moral provisória que permita a quem se dedica à filosofia viver segundo o mais provável e o mais verossímil, enquanto o pensamento segue seu próprio percurso, independente das vicissitudes do mundo. Uma bússola provisória deve estar ao alcance de cada um, para que, viajantes que somos neste mundo, possamos enfrentar suas intempéries.

Para isso, Descartes apresenta-nos algumas regras para a moral provisória: Primeira, estipula seguir as regras existentes em cada país, que as leis e costumes sejam observados. Não tratando-se evidentemente de uma obediência cega, mas decorrente das necessidades de uma razão que avalia detidamente, ordenadamente a validade de cada uma delas. Segunda, postula que devemos ser resolutos e firmes em nossas ações, pois por maior incerteza que tenhamos devemos agir de modo que chegamos a algum lugar, mesmo que reconheçamos depois, que chegamos a um lugar errado. Pessoas que hesitam constantemente não chegam a lugar nenhum, como se andassem em círculos. Cada decisão tomada deve ser assumida com firmeza tal como uma hipótese científica, e devemos assumir a responsabilidade de nossas ações, e se errarmos, saberemos qual caminho não trilhar novamente. Terceira, pressupõe que as mudanças sejam feitas na consciência de cada um, que para o exercício da razão se torne uma maneira habitual de pensar, sem preconceitos. Quarta, a moral implica, principalmente, uma escolha de vida. Seja qualquer que seja, Descartes, por exemplo, dedicou-se à filosofia. As escolhas de vida através de uma moral provisória devem sempre buscar coerência e nitidez, para que possamos trilhar um caminho de acordo com o progresso e desenvolvimento pessoal. 

Agora que temos uma base sobre a moral provisória, vamos a análise da letra propriamente dita. Os espaçamentos da letra da música foram ajustados para a reflexão da mesma. A forma que vou fazer análise é de maneira comentada, na letra acima há números indicativos que vão se correlacionar com os comentários analíticos a seguir:

[1] A primeira parte inicia-se afirmando que tudo o que o eu-lírico* compra não é dele, podemos interpretar de duas formas: A primeira, se tudo o que produzimos é fruto de nosso trabalho, somos dignificados por isso e isso nos pertence. Logo, ao compramos algo no mundo, este algo não nos pertence, pois não foi produzido por nós. Segunda, que nossa essência não são bens materiais, apontados pelo fetichismo da mercadoria, então não é nosso o que compramos do mundo, este trecho aparenta claramente ser uma alusão ao pensamento de Marx; A partir daí, podemos ver uma alusão ao Nietzsche, o eu-lírico finge ser ateu para poder regular quem se perdeu na mesma busca de sua essência, na busca de sua autodescoberta. O que tornar-se imoral, ademais próprio Nietzsche criticava as formas como nós vemos a moral, fingir ser ateu para poder regular outrem fornecendo respostas e/ou induzir à determinada reflexão de mundo é incoerente.

[2] Aqui nós podemos ver que o eu-lírico faz uma menção direta ao sistema educacional, apontando subjetivamente uma relação de troca, o aluno vai a pé para a escola para ser educado, levando consigo uma maçã a pé para entregar à professora, ou seja, o caminho para poder estudar é mais árduo e mesmo assim, ele tem que dar algo em troca do saber. De certo modo, uma crítica à meritocracia. 

[3] Neste ponto, o eu-lírico está brincando de ser rico, ou seja, ter posses materiais. Lembra o jogo banco imobiliário, em que o objetivo é aumentar a quantidade de posses. Quando o eu-lírico completa 15 anos, ele torna-se bancário, bancário no sentido de dar mais importância ao valor capital (dinheiro), ou que ele começou a trabalhar aos quinze anos para poder sobreviver, ele vê muito dinheiro (já vi dinheiro grande), mais ou menos, e apenas alguns trocados. Aqui pode-se dizer que, tudo o que ele vê é correlacionado ao dinheiro, sua visão de mundo está voltada ao capital e está determinando a forma que ele julga o mundo. E nisso, ele pergunta: Quem você acha que banca o raciocínio quebrado? ou seja, um pensamento limitado e alienado, assim como Marx aponta, que a ideologia do capital mantém o controle do pensamento das massas.  

[4] Aqui vemos claramente o eu-lírico pedindo para ser separado dos ímpios, invejosos e perdidos moralmente em busca pela essência humana e conhecimento. Crítica os preconceituosos que quando são colocados à luz do conhecimento, do saber cético, filosófico e científico enxergam mal. Porém, o eu-lírico aqui aponta discordar de Schopenhauer, filósofo que apontava que a vida humana oscila como um pêndulo entre o tédio e a alegria passageira, considerado um filósofo pessimista. Indicando que o eu-lírico é um progressista no campo da filosofia.

[5] O eu-lírico afirma que ele procura escrever para pessoas simples, pessoas que não tem muito conhecimento filosófico/cético/científico, na letra é exemplificado com alfaiates, sapateiros e domésticas. Ele faz uma autocrítica dizendo que parece ser difícil transparecer um pensamento mais complexo em simplificado, mas depende. Depende da maneira que você o faz, da postura que você tem para se expressar, se é compreensivo no momento da transposição.

[6] Em contra partida ao ponto anterior, quando o eu-lírico enfrenta mentes céticas, ele se desarma da lógica comum, sendo assim, ele abandona o senso comum. Passa a refletir racionalmente sobre os assuntos que está pensando, desmontando cada enigma, quebrando seus paradigmas, despertando seu conhecimento sobre o mundo de uma maneira antagônica ao senso comum. Isso para o eu-lírico é tão sublime quanto a dor do envelhecer, romper estes paradigmas torna-o mais desenvolvido mas, também causa certo sofrimento. O eu-lírico pergunta-se sobre o que ele pode dizer caso ele não enfrente seus demônios. Neste caso, ele se refere ao que Descartes afirmava por demônios, que seria uma espécie de empecilho ao filósofo em obter coerência e uma interpretação racional acerca do mundo que o cerca. Logo, para compreendermos coerentemente o mundo, devemos enfrentar os paradigmas e nossos dogmas.

[7] O eu-lírico diz para colecionarmos sonhos, que devemos ter algo para nortear nossas vidas e objetivá-la, servindo assim como um dos caminhos de uma moral provisória, como Descartes afirma. Respeitar os hormônios no sentido de respeitar nosso momento e os anseios do tempo presente e buscar uma forma plausível de poder defender eles, e aceita-los se pudermos. Tendo em vista uma defesa e um posicionamento racional acerca dos mesmos.

[8] Notamos que o eu-lírico diz que devemos amar a mais que uma mulher, talvez, seja no sentido de que em nossa vida de fato temos mais do que apenas um amor. Ademais, após ele afirmar isso vem uma segunda voz, feminina, representando a memória do eu-lírico, dizendo que não existe razão para as memórias deixarem de existir, ademais a música está analisando a moral provisória de Descartes, ela justamente versa que nossas memórias são pontos de reflexão para saber quais caminhos não devemos mais trilhar e também serve de base para a fomentação de nossa moral atual.

[9] Aparentemente, neste ponto o eu-lírico parece se referir à chegada da velhice, considerando que o primeiro e o segundo capítulo fossem: infância e vida adulta, respectivamente. Ele está perambulando pela sala, apenas a comer uma sopa rala que ele fez.

[10] Em continuação ao ponto anterior, ele reflete que ele queria dizer mais do que as linhas permitiam, ou seja, mais do que ele podia através de suas limitações, talvez, econômicas ou sociais. E ainda versa que, metade das pessoas que diziam entender ele, entender as reflexões filosóficas que ele compartilhava, se perderam antes mesmo do primeiro tempo. Assim, eles de fato não compreendiam as reflexões que ele fazia. Ele versa que abandona o senso comum, grande parcela da população apenas permanece no senso comum, talvez isso justifique porque as pessoas não o compreendem. E sem motivo algum um vem um: “Corta”, como se fosse um fim de uma gravação, talvez seja o fim da vida do eu-lírico. Ele não teve tempo de continuar a buscar o conhecimento e o entendimento em plenitude. Ou, talvez seja o fim da sua moral provisória e o início da outra, pois a reflexão continua.

[11] Aqui, continuando a reflexão o eu-lírico diz que, é para virar a câmera para o adversário, outro alguém, que reclama de talvez não ter chegado ao autoconhecimento ou ao conhecimento, mas nem saiu do banco para jogar, nem desarmou-se da “lógica comum”. Após, há uma afirmativa que remete à Maquiavel, que quando ele “prosperar” em qualquer sentido que o seja, vão vir afirmativas que, os fins justificam os meios e que tudo é válido. O eu-lírico diz não se desesperar com isso.

[12] Em referência e continuação ao ponto anterior, ele deixa claro que a busca era dele, sem interferir nos outros, ademais o mundo permanece como é. Então as acusações de que os fins justificam os meios, aparentemente partem dos outros, num sentido de inveja por ele estar no caminho da autodescoberta. Então ele diz que inunda o seu ser com tudo o que não é real. Neste aspecto, parece que se está referindo-se ao conhecimento filosófico em si, pois, a sociedade tem como a realidade o material associado com o fetiche da mercadoria, se ele não segue os padrões ele está vivendo num mundo “irreal”.

[13] Aqui o eu-lírico afirma que há um vendaval de letras, talvez, pensamentos que circundam-no a cada passo de sua vida, assim coadunando com o que Descartes afirma pela moral provisória. Aqui o eu-lírico faz uma crítica que parece haver uma venda sobre seus olhos, colocada por quem quer pô-lo no laço, controla-lo. Mas, ele é um boi brabo.

[14] Boi brabo, o eu-lírico se refere que ele não quer ser controlado, quer ser livre para poder pensar, refletir e sair do senso comum. Mas, para superar o senso comum, até mesmo como Descartes versa, devemos nos desprender dos preconceitos, neste ponto observamos que o autor contrapõe imediatamente os preconceitos, principalmente contra o estilo musical que pertence. Ele não faz uso de drogas, afirma que seu rap é outro rumo, diferente do estereotipado pela sociedade, porém, a sociedade continua a compara-lo com quem ele considera ser perdedor, pro fazer coisas irracionais.

[15] Aqui, ele pede desculpas e afirma que acabou a brincadeira, aparenta estar se referindo a contrapor preconceitos e tomar lado em busca do autoconhecimento. E afirma que a sua busca pelo conhecimento é uma forma de tratar-se da situação que vive, sendo julgado a todo momento por causa de preconceitos, e que a busca pelo conhecimento é sua terapia. Com a fogueira ele pode estar se referindo à duas coisas, primeira, que quando estamos muito próximos de uma fogueira, sua luz pode nos ofuscar para ver outras coisas, sendo assim, talvez, podemos cometer erros na busca pelo saber. Segunda, pode estar feito alusão à caça as bruxas, onde quem buscava o saber na idade média, era queimado pela inquisição, hoje é o preconceito da sociedade. Novamente aparece a segunda voz, afirmando para ele manter intacta as suas memórias, pois não há sentido para elas deixarem de existir. Pois, nossas memórias ajudam a formar o que somos hoje.

O estilo rap não é meu estilo musical preferido, mas, após ouvir Parteum pela primeira vez através desta música, que é extremamente coerente e embasada em conhecimentos filosóficos eu estou buscando conhecer mais o estilo, em especial o Parteum. Até o momento, não havia feito nenhuma análise de música, esta sendo a primeira que fiz foi extremamente produtiva, confesso que: não foi fácil compreender o contexto e acredito que ainda há interpretação mais profunda nela, o autor da dela deve ter motivações e interpretações filosóficas mais coerentes e aprofundadas. 

Percebi que, muito das reflexões que a música faz, analisando em suas intersubjetividades nos apresenta um pensamento muito coerente e filosófico. É extremamente importante que tenhamos em todo o estilo musical compositores que façam estes tipos de obras embasadas e críticas, contribui para uma apreciação completa da música e nos instiga a buscar o conhecimento. Pois, assim como Sartre dizia que no plano moral ocorre uma coisa em comum entre a arte e moral, em ambos os casos, temos criação e invenção. Não podemos decidir a priori aquilo que deve ser feito. Porém, a música como uma forma de arte, pode contribuir de forma expressiva para o compartilhamento de um pensamento coerente, racional, progressista e altamente reflexivo.




*Eu-lírico - no poema, voz que expressa a subjetividade do poeta e/ou a maneira pela qual o mundo exterior se converte em vivência interior;

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Função Social da Escola

O texto que vem a seguir é uma reflexão breve e superficial sobre a função social da escola.

FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA
Imagem em alusão ao clipe da música Another Brick In The Wall da banda Pink Floyd. Autor: Desconhecido
Quando pensamos em conhecimento e estudos é muito provável que imediatamente imaginemos da escola como um espaço em essência legitimado para o ensino/aprendizagem, tendo em vista que é uma instituição social historicamente bem estabelecida. Em quase sua totalidade a população vê a escola como formadora dos cidadãos preparando-os para a vida em sociedade, neste aspecto não teríamos muita dificuldade em definirmos o que é a escola, pois é senso comum este aspecto mencionado. Porém, tendo em vista que o senso comum não tem caráter de cientificidade, devemos fazer uma reflexão mais aprofundada sobre o óbvio do imaginário popular e iniciar um debate sobre qual é a função social da escola.

Ao iniciar uma reflexão objetivando desvendar a real função social da escola, percebemos que nossa ideia a priori sobre a mesma não parece ser tão incontestável. Devemos lembrar que desde a origem da sociologia a instituição escola tem sido alvo de reflexões e debates, com essência sociológica visando compreender as relações sociais e a organização da sociedade, terão neste assunto uma ótima reflexão acerca do espaço “formador de cidadãos para a vida em sociedade”. 

É importante debater sobre este tema, principalmente porque o ser social permanece um período de tempo considerável neste ambiente, mantendo relações sociais, estudando aspectos culturais considerados importantes por seus precedentes para manter a humanidade não desfazendo-se de sua história, mas querendo que com isso desenvolvamos o futuro. A abrangência de conceitos que podemos extrair da reflexão da escola e sua função social são grandiosas. Para isso neste trabalho vamos fazer uma reflexão acerca do tema. 

Um ponto interessante para iniciar uma reflexão sobre a função social da escola é começar em nosso momento histórico atual e social, parece ser uma tarefa árdua compreender a contemporaneidade da escola, podemos imediatamente identificar que há duas vertentes numa análise deste contexto, os críticos e os positivistas perante a organização atual da escola. Para estudiosos e especialistas das áreas humanas a escola é um termo abstrato, mas certamente podemos ponderar sobre pontos fatuais da mesma, como por exemplo, o dado que a escola pública hoje está voltada fundamentalmente para as crianças das camadas populares. Para os críticos assim como BUENO (2001) ela cumpre o papel de reprodutora das relações sociais e de apoio à manutenção do status quo. 

Também com os críticos podemos encontrar o Sociólogo Ivan Illich, que é considerado um dos mais radicais do campo da educação, fez uma grande provocação para a humanidade com ao escrever o livro Sociedade Sem Escolas. Ivan Illich versava que o direito de aprender é interrompido na obrigatoriedade de frequentar a escola. Conforme, Illich apud in FONSECA (2015) os alunos são escolarizados a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação com educação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Que também levou Illich afirmar que: 

“Não apenas a educação, mas toda a realidade social tornou-se escolarizada” (ILLICH, 1971, apud in FONSECA).

Esta critica dá-se ao fato de que a função social da escola seria manter justamente o status quo da sociedade capitalista, sendo assim, fazendo com que a população e a sociedade em geral mantendo os mesmos de massa. E assim, a escola serviria, no paradigma atual, para justificar a diferenciação social. Continuando com o pensamento do autor em sua crítica ele afirma que: 

“A maior parte da aprendizagem ocorre casualmente. Mesmo a maior parte da aprendizagem intencional não é resultado de uma instrução programada.” (ILLICH, 1971, apud in FONSECA).

Na visão crítica de Illich, a escola hoje se transformou numa espécie de religião, que faz promessas de salvação, isso podemos observar nas propagandas de várias escolas onde as mesmas falam de “felicidade, esperança, esperança, sucesso e futuro”. E defendendo que quando mais longa a permanência na escola melhores os resultados, assim chancelando um sistema que institui categorias diferenciadas de cidadania pela posse de diplomas. Com isso, o autor afirma que: 

“Escolaridade não promove nem a aprendizagem nem a justiça, porque os educadores insistem em embrulhar a instrução com diploma.” (ILLICH, 1971, apud in FONSECA). 

A postura crítica na visão da escola hoje, foi claramente observada no pensamento de Bueno com adendo da postura de Illich na visão crítica da escola, a óptica crítica da instituição escola, consiste em querer romper paradigmas sociais impostos que mantem a sociedade organizada da mesma forma que está há muito tempo, utilizando-se de um falso dilema entre escolarizados e não escolarizados e utilizando-se da instrução escolar como justificativa para as diferenças sociais. Também para BUENO (2001), a escola hoje é a ampliação e universalização do acesso ao ensino obrigatório no país, tornando assim uma escola de massas. Assim, com o acesso rápido e massivo das pessoas à escola e por falta de uma política educacional que privilegiasse a qualidade de ensino. 

Mas, também podemos encontrar uma visão mais positivista da escola, os positivistas tem a característica de pensar que a escola é um espaço de ensino do conhecimento técnico/científico e que a escola aborda de forma a cientificidade para o ensino das disciplinas no ensino. A postura positivista foi fundada por Augusto Comte, pela expressa confiança nos benefícios da industrialização, no otimismo em relação ao progresso capitalista, no culto à ciência e a valorização do método científico, voltados a uma reforma intelectual da sociedade. (COTRIM, 1993, p. 189 apud in OLIVEIRA). Neste aspecto a postura positivista considera que a escola, conforme é organizada hoje está coerente com uma visão de transmissão do conhecimento científico mínimo para o cidadão, para que o mesmo possa se desenvolver e viver em sociedade em busca de seu progresso. 

Na perspectiva positivista a escola deve ser um local para a apropriação da cultura historicamente e cientificamente adquirida, no aspecto do acesso à cultura, identifica-se que é extremamente importante para que as pessoas tenham acesso à mesma. Aliás, a organização social vigente deve-se de desenvolvimentos e acontecimentos históricos específicos que o aluno tendo conhecimento dos mesmos vai conseguir localizar-se em seu momento sócio histórico. Podemos ponderar conforme (SANTA CATARINA, 2014) uma formação integral do cidadão supõe considerar e reconhecer o ser humano como sujeito que produz, por meio do trabalho, as condições de (re)produção da vida, modificando os lugares e os territórios de viver, revelando relações sociais, políticas, econômicas, culturais e socioambientais. Assim, na proposta do Estado de Santa Catarina podemos observar que: 

“(...) Os espaços de formação podem/devem se converter em lócus de socialização de saberes, de estudo organizado dos acontecimentos, de iniciação à pesquisa e de incentivo à leitura científica do mundo(...)” (SANTA CATARINA, p.26, 2014) 

A escola pode, através do uso da interdisciplinaridade, fazer um debate cultural e científico com seus alunos, assim propiciando um melhor entendimento do contexto social/cultural, contribuindo deste modo para a formação de um cidadão com uma posicionamento compreensivo a respeito das relações, inclusive, neste momento cabe à inclusão social de pessoas portadoras de deficiências, assim contribuindo para o rompimento de preconceitos dos cidadãos e um convívio mais humanístico em sociedade. 

É possível observar que as escolas mesmo respondendo à políticas públicas elas tem uma certa autonomia na elaboração de seu plano político pedagógico, assim como BUENO (2001) nos recorda que escola possui um espaço de autonomia que lhe permite, dentro de limites, se constituir em frente de resistência aos processos de seletividade e de exclusão oriundos das políticas educacionais. Assim, elas conseguem no que consideram importante favorecem o acesso à cultura e induzem a um processo de formação de cidadania, visando manter uma sociedade coesa e organizada. 

Muito interessante é elencarmos como a função social da escola é vista em cada óptica de maneira diferente, para os críticos a escola apenas mantém o status quo da realidade social em detrimento de sua atividade afirmando que a metodologia utilizada para o ensino e consentimento de graus de ensino fomentam uma justificativa para a desigualdade social. Já na óptica positivista, considera a organização social atual, ou seja, a capitalista como bem sucedida e a escola deve ser organizada para a transmissão do conhecimento técnico/científico para manter a mesma num processo de autocorreção. 

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” (LUXEMBURGO, Rosa)


REFERÊNCIAS

BUENO, José Geraldo Silveira. Função social da escola e organização do trabalho pedagógico. Educar, Curitiba. Editora da UFPR, 2001.

FONSECA, Andre Azevedo Da. Série Completa: Sociedade sem Escolas, de Ivan Illich. 2015. Canal Prof. André Azevedo da Fonsceca. Disponível em: <https://www.youtube.com/playlist?list=PL0k4OibqI6p4HQ7DH0vaxY3LCYgwhgia9>. Acesso em: 01 Dez 2015.

OLIVEIRA, Claudemir Gonçalves De. A matriz positivista na educação Brasileira: uma análise das portas de entrada no período republicano. 2010 Diálogos Acadêmicos: Revista Eletrônica da Semar/Unicastelo. Disponível em: http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/downloads/edicao1/artigo-claudemir-goncalves-de-oliveira.pdf Acesso em: 01 Dez 2015

SANTA CATARINA, Governo do Estado, Secretaria de Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina. Formação integral na educação básica. Secretaria de Estado da Educação, 2014. Disponível em: http://www.propostacurricular.sed.sc.gov.br/site/Proposta_Curricular_final.pdf Acesso em: 01 Dez 2015.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Discursos em tempos de festividade



Agora que retornamos à calmaria, paramos de discursar, estamos novamente na zona de conforto e a sermos os mesmos individualistas e consumistas que éramos, porém agora com a consciência aliviada após discursar coisas humanistas num breve período de festividades, é hora de repensar o ocorrido. Este texto foi redigido influenciado por algumas conversas com pessoas estimadas no período das festividades de fim de ano de dois mil e quinze.

Evitei compartilhar esta reflexão coincidindo com estas datas justamente para não parecer "aqueles caras chatos que ficam a reclamar em todas as datas comemorativas". Nestas datas é possível observar algumas posturas provindas de pessoas, nas quais elenco estas: pessoas extremamente discursistas (os que apenas falam e nunca praticam), os humanistas de fato (divididos em dois grupos, os que apenas discursaram e os que farão acontecer), os que reclamam dos discursistas (estes fazem apenas "anti-discurso") e aqueles que tentam refletir as posturas acerca destes fenômenos sociais/culturais. Em caso de haver mais nuances e/ou correções acerca deste ponto, sinta-se convidado(a) a comentar e fazer uma crítica à este texto.

É comum nestas datas vermos os discursos já conhecidos histórica e culturalmente: “Vamos lutar no ano seguinte por uma sociedade justa, humana, igualitária; com paz e amor ao próximo, por uma sociedade livre de preconceitos”, em suma, discursos que almejam uma utopia social. Porém, aparentemente, as pessoas (de modo generalizado) não têm, de fato, consciência de quão importante seria se estes pensamentos fossem realizados na práxis (na prática, ação concreta). 

Talvez, o que nos impede de iniciar a práxis de fato, deve-se a vivermos numa realidade em que estamos sendo constantemente alienados pelo consumismo e fetichismo da mercadoria e somos induzidos a confundir estes com uma postura humanista, bem como apenas discursos humanistas atrapalhados pelo fetiche da mercadoria, o que é um fruto do consumismo e da super importância que dedicamos aos objetos/mercadorias, ao invés das relações humanas factualmente. 

Então, nestas datas é comum ver os discursos humanistas sendo apenas proferidos ao invés de praticados; em essência, a prática que se inicia é na verdade o consumismo maquiado de humanismo. Pior que o anterior são os discursos consumistas que nos são apresentados como sendo "humanistas" (Pseudo-humanismo), Amigo Secreto e Troca de Presentes são um bons exemplos de consumismo disfarçado de humanismo.

Esta reflexão levanta algo que eu preciso comentar às pessoas que têm uma visão reflexiva destas relações, que passam por uma espécie de tortura mental, pois mesmo alertadas pelo ceticismo, visão crítica de mundo, teorias, pensadores e outros mais, às vezes não conseguem se libertarem de ser participantes deste paradigma; e no caso de estarem fazendo parte, é a falta da práxis dos intelectuais, na grande maioria dos casos, que os torna meros discursistas. O grande diferenciador destas relações é a práxis, à qual pouco se observa.

Espero que esta breve reflexão tenha feito você, leitor (a), a repensar suas convicções acerca de seus posicionamentos sobre estas datas festivas. A reflexão é importante, pois assim ampliamos nosso entendimento, ou buscamos pelo entendimento do mundo. Neste caso, me refiro a “mundo” enquanto relações sociais.

Setembro Amarelo

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